domingo, 3 de julho de 2016

Game Overdose [0010/1]


Acordei às três e tantas da madrugada. Isso vinha ocorrendo com frequência nas últimas semanas. A ciência afirma que é um fenômeno comum em pessoas que sofrem crises de estresse e ansiedade. Alguns dizem que este é o horário em que os demônios estão nos assistindo dormir. Em todo o caso, nenhuma das duas hipóteses me surpreenderiam. 


O horário místico das três da madrugada carrega consigo talvez não apenas entidades, mas também com toda certeza incontáveis especulações concernentes à sua causa, como tão somente já foram em inúmeras ocasiões discorridas por aí. Razões estas que estão, em sua grande maioria, ligadas ao ocultismo histórico, numerologia cabalística e consultoria tarológica. Eu, como todo bom cético beirando ao niilismo, acho tudo isso uma tremenda bobagem, embora não possa, em contrapartida, de maneira alguma negar o meu fascínio, o que justifica a pesquisa.


Especula-se que este simbólico horário escolhido pelo mal absoluto nada mais é que uma zombaria ao Cristianismo, como sendo o momento precisamente inverso ao da morte de Cristo, onde o mesmo entregou, segundo a bíblia, nas mãos do Pai o seu espírito. Ou seja, entre às três e quatro da tarde, conforme acredita-se que teria de fato ocorrido. Outros ainda, afirmam que o horário está ligado ao número 15, a carta de tarô intitulada de "O Diabo", uma menção sutil às quinze horas, ou seja, três, a contar o dia com as respectivas vinte e quatro. Como também outra comparação, porventura mais zombeteira ainda, à Santíssima Trindade. Ou, ainda em tempo, uma alusão ao significativo múltiplo do que vem a ser o número da besta, 666. Para os devotos, com especial ênfase aos fanáticos religiosos, sempre será possível estabelecer uma conexão, entre os números diversos e demais adventos da sua professa crença, como indícios e sinais que corroboram tais afirmações.


O fato é que, eu realmente havia acordado mais uma vez às três da madrugada, e não havia nenhum demônio velando meu sono ou qualquer outro sinal de visitas. Uma pena, já que me levantei assustado, e com vontade de conversar. Talvez os demônios tivessem aparecido mais cedo, afinal estávamos no horário de verão. Ou talvez tivessem me abandonado, quem sabe. Talvez eu fosse meu próprio demônio.


Ela estava ali do lado, envolta em toda a sua costumeira serenidade angelical. Pensei em acordá-la até, mas o que eu diria? Não foi um pesadelo. Era pior ainda. Talvez fosse um sinal. Desejei, por um breve momento, ter um espelho ou quem sabe uma ouija, mas logo deixei de lado a idiotice. Fechei novamente os olhos, na tentativa de dormir.


Acordei com o barulho da fechadura girando. Havia adormecido no sofá velho da casa onde havia passado boa parte de minha infância. Cada pedaço daquele lugar continha grandes histórias de quando ainda éramos ingênuos, a ponto de acreditar nos heróis das revistas em quadrinhos, monstros debaixo da cama, velhotes nas chaminés e outros tantos mitos e lendas urbanas. Um mundo de fantasia cheio de mistérios, onde mergulhávamos bem fundo. Tínhamos medo, é verdade, mas éramos movidos pela curiosidade. Haviam muitos perigos nesse mundo, mas ainda assim era perfeito, um refúgio. Penso que os perigos de lá no fundo não fossem tão nocivos quanto a realidade que nos consumia do lado de cá.


Antes que pudesse me recompor, vi que o sofá estava sujo de sangue. Já era dia, e uma pontada de dor na costela esquerda me afligia. Havia sido esfaqueado, só não entendia como isso poderia ter ocorrido de maneira tão imperceptível ao sono e como a dor também se manteve tão alheia a isso. Meu primeiro palpite foi o de que havia sido drogado, o que explicaria a tontura seguida de enjôo. O segundo pensamento foi: Quem seria capaz de fazer isso comigo?


Vomitei. Sangue. Tentei gritar pedindo socorro. Estava sem voz. Procurei o celular. Disquei 911. Ouvi risadas lá atrás. Femininas. Depois a vista escureceu.


Não me lembrava de mais nada.