domingo, 12 de junho de 2016

Game Overdose [009]


Pedi a Mirela que se afastasse do centro da roda. Meio relutante ela foi, segurando minhas chaves e a pistola. Me incumbi de estudar os movimentos do sujeito. Era jovem, talvez na faixa dos vinte e dois. Rápido até, mas muito afoito. Veio pra cima, e deu uns dois socos a esmo no ar. Asma. Só descobri depois de tê-lo acertado no estômago assim que desviei dos golpes.

Ele ficou ali no chão, tentando se recuperar enquanto dois de seus supostos amigos o arrastavam na mesma intenção: Fazê-lo se levantar o mais rápido possível. Os outros três vieram pra cima, todos de uma vez. Gesto claro de covardia, visto que eu era apenas um. Pois bem, seus filhos da puta. Podem vir.

Enquanto me encarregava do primeiro, o segundo me acertou, leve descuido meu. Nas costelas, ainda por cima. Teve volta.

O segredo quando se está em desvantagem é entreter os oponentes a tempo de prever os seus próximos ataques e formular os nossos próprios. Eu já imaginava que viriam mais de um ao mesmo tempo. O que eu de fato não esperava seria ela apontando a semi-automática pra mim logo depois que acertei um cruzado no segundo, e já ia em direção ao terceiro. O que diabos deu naquela mulher?

 Abaixa essa merda.  Eu disse.

 Já chega dessa palhaçada. Não quero ser motivo de briga pra seu ninguém.  E todos nós lá, sem reação alguma. Olhando paralisados para aquelas mãos trêmulas empunhando a arma.

 Então pelo menos aponte pra algum desses imbecis. O que houve com sua mira? — Falei, apontando pra eles.

Pra quê eu fui falar aquilo. Ela destravou a pistola e disparou. O tiro acertou o chão e daí ela deixou cair, enquanto toda a multidão corria. Ela ficou extremamente assustada, compreensível até. Comecei a rir.

 Vem, sua maluca. Vamos sair logo daqui.

No caminho, fomos lembrando o dia em que ensinei-a a atirar. Já em casa, ela insistiu em checar se havia algum ferimento grave.  Não foi nada.  Eu disse. Não adiantou muito, ela era a personificação da teimosia.

 Uma ova que não foi. Senta aí.  Eu havia aberto a boca já na intenção de objetar quando ouvimos a campainha. Olhei pro relógio, duas e quinze da matina. Quem seria?

 Eu não acredito!  Sussurrou.  É a polícia!

Ela espiou pelo olho mágico da porta. Nem tive o trabalho de me esconder. Era óbvio que eles já sabiam que eu estava lá. Provavelmente ficaram de tocaia próximos da porta e na certa me viram entrar com ela. Fui até lá atender.

 Boa noite, pessoal. Em que posso ser útil?

 Pode começar me contando que porra está acontecendo, Henrique.  Uma voz familiar saiu detrás da dupla. Assim que o reconheci, não tive escolha. Tive que convidá-los pra entrar.

Moraes havia sido meu parceiro por quatro dos sete anos em que estive na corporação. Era um bom homem. Pacífico na maioria das vezes, diplomático enquanto pudesse, e de caráter e índole inquestionáveis. Casado, pai de três filhos, viciado em café e diabético. E agora investigador. Um amigo. Contei-lhe tudo.

 Caralho! Você jogou os dardos na cruz, não é mesmo?  Ele disse. Havia aprendido essa expressão comigo. Ultimamente tenho trocado os dardos pelo verbo metralhar. Pobre Cristo? Pobre de mim, isso sim. Ele continuou:

 Então, os rapazes aqui foram incumbidos de ficar no quarteirão em seu encalço. Eles darão cobertura, pode confiar. É o máximo que posso fazer por você. Dê um jeito de limpar essa bagunça. E a da casa também.  Ele me entregou um envelope. Uma espécie de dossiê. Parecia que estava me contratando pra um novo serviço.

 Agora vamos indo. Meu plantão acabou a algumas horas e tenho gente me esperando. Parece que vocês têm mais o que fazer. Pelo visto você está perdendo o jeito, hein!

 Eram três moleques de uma só vez. Mal educados. Saíram vivos e nem me agradeceram. Por falar nisso, obrigado, por tudo. Mesmo.

— Não por isso, estamos quase quites. Se despeça da Mira por mim.


Levei-os até a saída. Quando voltei, olhei pra dentro do quarto. Mirela se trocava. 

De repente, ela parou. 

Daí olhou pra mim. 

E nem precisou chamar.

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