terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Game Overdose [003]



Você deve estar se perguntando quem sou eu. Pensando em coisas que talvez nunca consigam me definir. O que faço da vida, qual a minha formação, quantos anos já tenho, onde cresci e todas essas porcarias. Eu preferia, preferia mesmo, que perguntasse sobre como me sinto ao ouvir uma música que gosto num dia ruim, quando foi a última vez que chorei ou andei de bicicleta, que tipos de distúrbios ou síndromes, tiques e fobias me arriscaria a dizer que sofria; A partir da perda de quantos entes queridos eu teria compreendido a fragilidade da vida, quando achava que iria e pra onde achava que iria; Se reencontraria com eles ou se simplesmente aceitaria o fato de que a minha alma está mais para os grilhões do que para os laços. De repente, perguntar em quais lugares do mundo consegui me sentir em casa, em quais do tempo havia parado, ou se você poderia simplesmente ficar ali, me fazendo companhia.

Costumamos acreditar que as perguntas de praxe são atalhos para que possamos futuramente compreender a complexidade das pessoas que tanto desejamos conhecer. Mas é todo o conjunto de reações dessas mesmas pessoas frente a essas situações que constituem a essência delas. Existe muito mais por trás das respostas dadas através das perguntas feitas, que porém não foram criadas, só adotadas em um breve momento por pessoas que negligenciaram a importância de uma questão bem formulada, no intuito de se aprofundar na mente de quem possa interessar. Para cada pergunta de praxe, existe uma resposta automática. Em algum momento já se perguntou o quanto deixou de conhecer alguém por conta de uma simples pergunta mal feita? Perguntas são como filhos. Fazer, adotar, criar,negligenciar...Comparação macabra, eu sei. Mas serve.

Me chamo Henrique. O sobrenome não interessa. Não acho que você esteja pronto ainda para me conhecer de fato, e nem sei se vale a pena. Talvez consigamos resolver isso ao final de minhas memórias. Isso, é claro, se até lá eu ainda estiver vivo, a julgar pela quantidade de pessoas que desejam me matar e caso você ainda se mantenha interessado. Por ora, vamos continuar respondendo as perguntas, de praxe.

Tenho vinte e oito anos. Sete deles trabalhando na polícia militar do Estado de São Paulo. Minha formação categoriza um nível superior incompleto em administração. Ambas as atividades não foram levadas adiante por uma série de complicações que podem ser resumidas naquilo que me refiro como sendo a minha mania fodida de estragar tudo, você vai ver. Nasci em Brasília. Sou bisneto de imigrantes, filho de retirantes e um completo filho da puta. Isso mesmo, com molho adicional até. E sabe o que é mais engraçado? Ainda assim, existem pessoas que conseguem gostar de mim. Se eu for atrás dos porquês aí é que a coisa fica feia. Talvez elas sofram de mais distúrbios do que eu.

Não me leve a mal, não estou bancando o coitado aqui, muito pelo contrário. É que a maneira das pessoas tentarem explicar suas ilogicidades ainda me surpreende, salientando também que cálculos nunca foram o meu forte, salvo os renais. Eu estava enfrentando sérios problemas em não insistir. Isso se aplicava a tudo: Planos, vontades e principalmente pessoas. O que havia acontecido com elas? O que havia acontecido comigo? Vejo muitos procurando um propósito pra vida, outros poucos se deparando com algum sentido, e todos querendo a mesma coisa: Felicidade. Uma pena que o sentido ou o propósito de nenhuma delas servisse pra mim, com meu tamanho M, silhueta 40, calçado 42 e tendências a perversão. A questão é que eu continuava insistindo, pelo menos nisso. Meu maior receio era o de estar procurando nos lugares errados ou de depender de alguém pra isso. De todos os outros que conheci os quais desistiram de procurar, ou se enforcaram ou pelo menos desejaram, os últimos ainda não descartaram completamente a ideia. Talvez viver seja isso, o estímulo que vem da busca. A questão é que a sensação de realização dura apenas alguns minutos para logo em seguida ser substituída pelo vazio. Bem, vazio eu já estava, e se de repente me deparasse com o sentido, talvez ocorresse o contrário comigo. E no fim, tanto os que encontraram quanto os que desistiram irão pro mesmo lugar. E o que vem depois? Alguma outra busca, certeza. Veja só o que acontece quando saio do praxe. 


 Você é um filho da puta — Digo e repito a esmo, voltando do devaneio e me fitando no espelho. Detesto falar de mim. Mas gosto de resumir.

Então, qual era mesmo a sua próxima pergunta?

Dead Skin - Crossfade


2 comentários:

  1. Anos se passam e você continua verbalizando meus pensamentos e emoções mais viscerais. Eu nunca vou entender essa espécie de osmose invisível.

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  2. Sua vaidade continua a todo vapor. Ha Ha Ha.

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